EUROCENTRISMO: UMA IDEOLOGIA DE DOMINAÇÃO.


Tomado da antropologia e da Psicologia Social, o conceito de etnocentrismo adquire para o exame das sociedades latino-americanas importância primordial. Com a ajuda deste conceito, é possível examinar as condições em que se desenvolveu o pensamento político e filosófico da cultura européia. A questão principal está na busca das distorções que aparecem no esquema de conhecimento que vicejou em nosso continente (...). Diz-se que foi na Grécia onde surgiram a Filosofia e a Ciência onde receberam as características desta cultura.
No desenvolvimento do pensamento europeu, a atitude dos etnógrafos foi evidente. No exame de outros grupos consistia em atribuir um lugar central a autovalorização positiva de seus sucessos e particularidades que tendia a projetar sobre aqueles. A base de referência é o conjunto das criações humanas que caracterizam aos povos europeus. O eurocentrismo estabelece, desta forma, comparações entre diferentes culturas a partir de uma escala de valores elaborada pelos seus próprios etnógrafos, identificando as “atrasadas” mediante critérios anteriormente estipulados (...). É possível então encontrar toda uma série de questões que caracterizam a forma particular do eurocentrismo.

            A história do pensamento europeu privilegiava a estes povos e omitia praticamente tudo o que interessava a outras culturas (...). A alfabetização não era em si eurocêntrica, se tratava mais de uma atitude que privilegiava a escrita como meio de comunicação social, a ponto de considerá-la o primeiro critério de divisão do processo da atividade humana na pré-história – história, assim arremessa as sociedades contemporâneas sem escrita a uma esfera sem história. A hipótese do valor universal da escrita – na qual se baseia o processo seletivo – e o uso que fazemos dela como critério prioritário quase absoluto, é eurocêntrica. O exercício da escrita foi visto, portanto, como uma fase evolutiva superior.

O eurocentrismo determinava uma escala de valores, a eleição de conceitos, de hipótese e de fatos. A muito difundida idéia de subdesenvolvimento correspondeu a este tipo de definição negativa. Os países assim catalogados se distinguia por não se parecer com os países autores de definição. A critica desta forma de imperialismo cultural podia questionar a idéia de universalidade de um conceito, as idéias de tempo e espaço, e inclusive a idéia de racionalidade (...). Aristóteles distinguia aqueles homens que “falam como papagaios” dos de seu povo. Sepúlveda até o mesmo produto de seu “desconhecimento da lei de Deus”. A idéia acerca do progresso tem sido, ao menos durante 25 séculos, uma das idéias centrais, para não dizer a mais importante de toda a cultura européia.
A idéia nasceu na antiga Grécia, porém foi conservada e enriquecida pelos pensadores mais influentes do mundo, desde São Agostinho até Marx, passando pelos ideólogos da Ilustração e do Positivismo. Desta forma, no período de 1870-1880, a idéia acerca do progresso se converteu num artigo de fé para a humanidade e em parte da estrutura mental genérica das pessoas “cultas” (...). Nas sociedades “avançadas”, se dava como estabelecido que o progresso era um objetivo, cuja continuação dependia exclusivamente de nossa vontade e de nosso esforço. A idéia acerca do progresso humano foi uma teoria que incluiu uma síntese do passado e uma previsão do futuro. É bastante simples imaginarmos uma fase social diferente da nossa situada em alguma parte do futuro, como o Paraíso.

De acordo com esta idéia evolucionista, a Europa encarnava o momento superior fazendo de todas as outras culturas as representantes das fases precedentes e, portanto, “inferiores”, e introduzindo no discurso conceitos tais como “atraso”, “subdesenvolvimento”, “periferia”, etc, definidos a respeito de um modelo a alcançar. O desenvolvimento de todos os homens se produzia especificamente na Europa – afirmam os etnógrafos – e conduzia a “civilização”, de tal modo que quando se analisavam as mudanças radicais, políticas e sociais, se chegava à hipótese de que a Europa era a sede do progresso. Por isso podemos enunciar três elementos que constituem a idéia acerca do progresso: a certeza de que existem etapas fixas, por uma parte; critérios eurocêntricos para definir seu conteúdo, e por outra e, por último, uma finalidade constituída por civilização de tipo europeu. A história das regiões não européias estaria condenada a não ser mais que uma espécie de prolongamento, de extensão e ramificação da história européia.

Ao tomar a história da Europa como eixo central, era lógico que a perspectiva global fosse afetada pelo interesse de que outras culturas pudessem entrar em contato com a cultura européia. Este fazer garantia a continuidade, mas negava o mundo não europeu. O eurocentrismo residia, entre outras coisas, na manipulação dos fatos históricos segundo as necessidades da história européia. A Europa se outorgou, assim, o monopólio da razão e prospegou a outros o conhecimento mítico, a irracionalidade e a barbárie.

Como ideologia de dominação, o eurocentrismo implicou três conseqüências indissoluvelmente ligadas. Em primeiro lugar, obscureceu a natureza essencialmente complexa do mundo, o que lhe permitiu generalizar suas próprias leis e costumes e, por meia delas, alienar mais facilmente o resto da humanidade. Em segundo lugar, deformou uma visão de história verdadeiramente universal e nos brindou com produto totalmente falsificado, o que lhe permitiu determinar as linhas de desenvolvimento das sociedades humanas. Finalmente, o eurocentrismo se associava ao modo de produção capitalista, para facilitar assim o expansionismo econômico dos ocidentais a nível mundial. A construção desta ideologia de dominação não era casual nem irracional. Esta se construiu á medida que o império europeu se apropriava do mundo, a partir do Renascimento, até consolidar-se no Século das Luzes. Dito de outro modo, esta estabeleceu como ideologia propriamente ocidental a medida em que se propagou como pensamento racionalista e laico e foi portadora do universalismo. Este culturalismo dominante inventou então um Ocidente de todos, único e singular, cuja construção, arbitrária e mítica, se impôs a outros por meio de múltiplas manifestações. O Esquema é simples: partimos de uma Grécia antiga e milenar que rompeu com todos os atavismos mitológicos para produzir o pensamento cientifico. Logo seria o cristianismo que se encarregaria de salvaguardar os valores universais do pensamento europeu. Finalmente, foi sobre o capitalismo e a industrialização que recaiu a responsabilidade de por a Europa a cabeça de todos os povos. Assim, o eurocentrismo propôs uma só visão e um só projeto político para todo o mundo: a homogeneização por imitação (...).

Mesmo sabendo que existem coisas e fatos irrefutáveis, nossas famosas verdades, e que as crenças nos dão base e sustentação para o nosso modo de ser e estar no mundo, tudo é passível e sujeito de questionamentos, principalmente se nos basearmos em experiências que contradizem tais verdades e crenças.
VASCONCELLOS (2003) nos trás uma excelente citação vinculada a esta questão:
“O aspecto mais interessante da visão de mundo de uma sociedade é que os indivíduos que aderem a ela, na maior parte, são inconscientes de como ela afeta o seu modo de fazerem as coisas, de perceberem a realidade em torno deles. Uma visão de mundo só funciona, na medida em que é tão internalizada, desde a infância, que permanece não questionada. (p.5) (...) somos tão presos no nosso paradigma que todos os outros modos de organizar nossos pensamentos parecem totalmente inaceitáveis”4
Em nossas funções vinculadas à cognição, sabemos que possuímos capacidades de manutenção internas de um ou mais paradigmas, que são definidores de nossas visões de mundo, onde é possível perceber nossas metas e objetivos e as amplas possibilidades de ação que vivenciamos com o intuito de alcançá-los. Através dos nossos paradigmas filtramos nossas percepções.
Nas nossas vivências, chegamos à negação de alguns acontecimentos por conta de nossos sistemas de crenças, construídos em a partir das relações e dos modelos com os quais fomos socialmente construídos.  Superar os paradigmas que não nos são úteis é tarefa humana essencial para nosso contínuo crescimento, para nossa busca por evolução. Alguns paradigmas, quando agrupados, formam nossas resistências às mudanças e nos colocam em posição de permanência e medo, impeditivos da criatividade e da ousadia de fazer diferente, envolvendo nosso pensar num labirinto onde, quase sempre, nos perdemos.
É preciso acreditar que podemos ir além daquilo que os outros sonharam para nós e pensarmos que, inevitavelmente, podermos ampliar nossas capacidades, recriar nossas competências e refazer nossas habilidades.5
Mudar paradigmas não é tarefa fácil no espaçotempo da escola. Entretanto, devemos continuar a caminhada utópica de muitos educadores ao longo da história que dedicaram suas vidas e trajetória no intuito de alimentar os desejos de construção de um outro modo de ser e estar em educação.
Educação do século XXI. Nas inúmeras salas de aula ainda permanecem determinadas formas de conduzir e fazer educação completamente antiquadas ao tempo presente que ora vivenciamos.
Hoje, talvez mais do que em qualquer outro tempo de nossa história, vivenciamos imensos desafios enquanto seres humanos. Mudar o modo de enfrentar tais desafios é questão a ser constantemente debatida: nossa experiência humana nos trouxe até este momento crucial da vida de todo o planeta. Os antigos paradigmas não conseguem mais explicar as diferentes facetas do mundo contemporâneo: é preciso a criação de outras e novas possibilidades.
Neste sentido, todos os que atuam e podem colaborar para a construção de um novo modo de ser e estar em educação necessitam renovar suas energias e continuarem a acreditar nas imensas potencialidades presentes no cotidiano da escola. É essencial estarmos em movimento de abertura ao novo, indo além, acreditando na capacidade da mudança e nas alterações necessárias ao nosso fazer. É preciso compreender que a busca por novos paradigmas educacionais é um exercício de possibilidades, inovando e criando técnicas para tal e termos a exata consciência de que somos, todos e todas, diferentes.
As diferenças nos possibilitam o crescimento e a compreensão da unicidade de cada ser. Iniciativas de formação continuada no próprio espaçotempo da escola onde vivenciamos nossas práticas educativas podem ser de extrema valia na procura de resignificação do cotidiano. Em algumas experiências vivenciadas por mim na formação continuada de educadores, tenho observado o quanto isso é importante, essencial e válido para a melhoria das ações desenvolvidas por educadores/as.
Compreender os desafios inerentes ao processo educativo é como escolher retalhos para a colcha. Hoje, vivemos a tarefa de costurar muitas informações, imensamente divulgadas e a nós disponibilizadas pela gama complexa das mídias eletrônicas e tradicionais. Em tal escolha, fundamental é construir um repertório de estratégias que filtrem o que efetivamente é significativo. Assim talvez possamos nos dar conta de que é em cada sujeito aprendente que reside à magia do estar vivo num mundo repleto de ambivalências. Aprender, hoje, mais do que nunca, deve ser ação humana vinculada ao dinamismo, a espontaneidade, ao prazer e ao natural. Ensinar é possibilitar a configuração de processos de intervenção significativa na realidade, viabilizando a construção de sentidos7.
No contexto da educação contemporânea, inserida num tempo de sociedade estruturada pelos meios de comunicação, sabemos que estamos aprendendo cotidianamente. Neste sentido a escola deve ser transformada num lócus de emancipação do sujeito enquanto ser humano e aprendente, onde interatividade e comunicação permanente possibilitem que todos acessem, selecionem, compreendam e produzam. Tais ações, essenciais à interação humana consciente de seu tempo e de sua história possibilitam o discernimento e a compreensão critica das demandas sociais, e favorecem a construção de posturas ética e cidadãs.
Assim, a escola como espaçotempo aprendente contribui para a formação dos sujeitos de nossa contemporaneidade. A educação formal, vivenciada no “espaçotempo” da escola, sempre foi objeto de análise e discussão, onde críticas e questionamentos sempre estiveram presentes, tanto no que se refere ao seu papel quanto à função e objetividade de suas ações.
Conclusão
Está se buscando um novo caminhar para a educação no próximo milênio. Temos que construir uma pedagogia do caminho, talvez uma "Pedagogia da Busca" ou "Uma Pedagogia da Angústia da Busca". Creio que estamos caminhando para a construção de um novo homem, não nos moldes nietzscheano, mas que somente o tempo poderá revelar que tipo de sociedade estamos construindo e quais as conseqüências de nossas atitudes como educadores do próximo milênio. Nossos filhos e netos nos julgarão...