Todos nós temos um pouco de Judas

Judas queria que Jesus abolisse todos os sofrimentos de Israel, mas Jesus discursava que não há noite sem tempestades, jornadas sem obstáculos, risos sem lágrimas. Para Judas, o problema da sua nação era o cárcere do império romano; para Jesus, o problema era muito mais grave, era o cárcere da emoção, o cárcere das zonas de conflitos as quais estão nas matrizes da memória. O problema estava na essência do ser humano.
Jesus discorria de múltiplas formas que o ser humano só seria livre se fosse livre dentro de si mesmo, se seu espírito fosse transformado, se a fonte dos seus pensamentos fosse renovada, reescrita.
A decepção com Jesus criou um clima adequado para o cultivo dos espinhos. O entusiasmo, a alegria e os sonhos iniciais foram convertidos em preocupações e ansiedades. Uma competição foi estabelecida no seu interior.
A compreensão sociopolítica do mestre dos mestres era invejável. Jesus sabia que somente uma mudança de dentro para fora poderia ser revolucionária. Somente a mudança nos solos conscientes e inconscientes poderia gerar o mais belo florescimento da ética, da solidariedade, do respeito pelos direitos humanos e, principalmente, de um amor mútuo.
Porque um discípulo íntimo de Jesus o traiu? Jesus era seguro e honesto; ninguém exalou tanta doçura, gentileza, serenidade e amabilidade, semelhante a Jesus. Mesmo nas pouquíssimas vezes em que ele se irou, não agrediu as pessoas, mas o sistema hipócrita em que elas viviam.
Como Judas pôde traí-lo? Na realidade, Judas foi controlado pelos seus conflitos.
Antes de trair Jesus fora dele, traiu a imagem de Jesus que ele tinha construído dentro de si. A imagem que ele construiu de Jesus não batia com a imagem do salvador de Israel que ele inicialmente tinha.
Milhares de pensamentos dominavam o palco da mente desse jovem discípulo. Ele entregou a sua vida por alguém que não compreendia. Ele jamais deixou de admirá-lo, mas nunca chegou a amá-lo de verdade. Há mais enigmas entre a admiração e o amor do que imagina nossa inútil filosofia. Porque é útil para uma pessoa poder ser inútil a para outra.
As lições da escola viva de Jesus ajudaram a personalidade de Judas, mas não podiam fazê-lo amar. Amar é o exercício mais nobre da vida de uma pessoa. Ninguém controla plenamente a energia do amor, mas pode direcioná-la ou, então, obstruí-la. Judas precisava decidir amar Jesus. Geralmente a obstrução do amor vem pelas frustrações e desencontros. Se ele abrisse seu ser para Jesus, tratasse com seus conflitos, falasse das suas decepções, seria apaixonado pelo Mestre e pela a sua vida . O verdadeiro amor faz com que uma pessoa nunca desista da outra, por mais que ela a decepcione.
Muitos casais se separam não porque não se admirem, mas porque não conseguem falar das frustrações um para o outro. Eles só percebem que o casamento está falido quando um dos cônjuges pede o divórcio. A partir de hoje seja transparente com quem você ama, inclusive com seus filhos e amigos. A falta do diálogo faz com que as pequenas pedras se transformem em montanhas.
Jesus também frustrara os demais discípulos por não atender às suas ganâncias, mas eles o amavam. Não abriam mão dele, por mais que enfrentassem problemas, por mais incompreensível que fosse sua atitude de amar os inimigos e dar um valor inestimável aos que viviam às margens da sociedade.
Judas traiu o filho do homem e não o filho de Deus. Judas não cria que Jesus era o Messias. Um crucificado que dizia que morreria pela humanidade não correspondia às suas expectativas. Ele procurava um herói, ou seja, um Jesus além do homem. Até hoje muitos procuram um Jesus herói. Todos nós temos um pouco de Judas em nosso currículo.